EZLN | CONVITE PARA O TRIGÉSIMO ANIVERSÁRIO DO INÍCIO DA GUERRA CONTRA O ESQUECIMENTO

Dezembro de 2023

As comunidades zapatistas e o EZLN convidam todas as pessoas, grupos, coletivos, associações, organizações e movimentos signatários da chamada Declaração pela Vida, aos povos originários reunidos no Congresso Nacional Indígena, à Sexta Mundial, às organizações não governamentais defensoras dos direitos humanos e, especialmente, àqueles cujo destino é a criação artística, para a celebração do trigésimo aniversário do início da guerra contra o esquecimento.

A celebração ocorrerá nos dias 30 e 31 de dezembro de 2023 e 1 e 2 de janeiro de 2024. Os convidados poderão chegar a partir do dia 29, mas não antes dessa data.

O registro dos participantes será no CIDECI de San Cristóbal de Las Casas, Chiapas. Imprensa, convidados e Congresso Nacional Indígena devem se registrar lá ou diretamente no Caracol sede.

A celebração central do 30º aniversário será no Caracol “Resistência e Rebeldia: Um Novo Horizonte”, inaugurado há 3 anos na localidade de Dolores Hidalgo, fundado em terra recuperada. Clima ameno a quente durante o dia. De fresco a frio à noite/madrugada.

Localização: a uma hora da sede do município oficialista de Ocosingo, estrada para Monte Líbano. Cerca de 4-5 horas de San Cristóbal de Las Casas. Em Ocosingo, há hotéis de diversos preços. De San Cristóbal, recomenda-se a rota via Chanal-Altamirano em direção a Ocosingo. Depois, pegar a estrada para Monte Líbano. Passando pelo quartel federal de Toniná e adiante, sempre na estrada para Monte Líbano, haverá placas nos diferentes GALs à beira da estrada. De Ocosingo, em uma a uma hora e 20 minutos chegarão ao Caracol da celebração.

Datas: 30 e 31 de dezembro de 2023. Festa cultural com participações da juventude e crianças zapatistas. Haverá peças de teatro, canções, danças e poesias. Baile à tarde e à noite.

1 de janeiro de 2024. Às 00:00: palavras centrais zapatistas. À tarde e à noite, participações culturais de familiares convidados de todo o mundo. Aqueles dedicados à arte e cultura poderão apresentar suas criações diante das comunidades zapatistas e convidados nos dias 1 e 2 de janeiro de 2024. Dança, Teatro, Cinema, Música, Murais, etc., serão bem-vindos.

2 de janeiro de 2024. Participações culturais de familiares de todo o mundo. Baile.

Recomenda-se trazer algo para colocar entre o chão e sua cansada anatomia na hora de dormir. Aqui, além de digno, o solo é duro.

Haverá serviço de internet por fichas, para que avisem seus familiares que chegaram bem. Haverá barracas não especializadas de venda de alimentos (ou seja, não há barracas de comida vegana ou vegetariana). Vejam vocês por aí.

Pessoas com dietas e medicações especiais são aconselhadas a trazer o necessário. Haverá serviço de ambulância e atendimento médico primário.

Para a alocação de áreas de descanso e dormitórios, têm preferência as pessoas de juízo (o que vocês chamam de “terceira idade” ou “idade dourada” ou “idosos” ou “pessoas em processo de envelhecimento”) e menores de idade.

Avisa-se aos menores de idade que é proibido atirar pedras, assediar ou caçar baleias, unicórnios, crocodilos, dragões, cães, gatos, porcos, galinhas, galos, coelhos, vacas, bois (sem ofender), mulas (sem ofender), cavalos, éguas, ovelhas, bicicletas e outros animais fantásticos que possam encontrar. O “Comando Palomitas” 3 vezes T estará patrulhando e vigiando para que nenhum ser vivo seja agredido de pensamento, palavra ou obra. Em contrapartida, é permitido agredir as pedras, contanto que seja com a cabeça. Vejam vocês por aí.

Lembramos que nos territórios zapatistas é proibido o consumo, comércio, tráfico e plantio de drogas. Da mesma forma, é proibido o consumo de álcool em qualquer de suas formas.

Também é proibida a exibição, distribuição, propaganda e apologia de qualquer um dos partidos políticos eleitorais de qualquer geografia.

São proibidas também manifestações sexistas, religiosas, nacionalistas, racistas, ideológicas, políticas e esportivas que promovam a zombaria, o assédio, o abuso, a agressão e a violência contra as pessoas por sua cor, raça, orientação sexual, religião, língua, cultura, origem social, tamanho, nacionalidade, ideologia, etc.

A celebração é dos e para os povos zapatistas. Exige-se respeito aos nossos costumes e tradições, aos nossos modos e tempos, à nossa luta.

Das montanhas do Sudeste Mexicano.

Subcomandante Insurgente Moisés.

México, dezembro de 2023.

Milicianos e milicianas zapatistas trabalhando no preparo do local para a celebração dos 30 anos. Oficina zapatista de bicicletas. O “Comando Palomitas” 3 vezes T reforçado com a pelusa colocha em sua ala canina. Imagens cortesia de Los Tercios Compas, copyleft dezembro de 2023. Música: Armad@s de Baile. Bossanónimos. Original e Copla ℗ 2014 Bossanónimos Lançado em: 2014-10-23

EZLN | DÉCIMA QUARTA PARTE E SEGUNDO ALERTA DE APROXIMAÇÃO: A (OUTRA) REGRA DO TERCEIRO EXCLUÍDO.

Novembro de 2023.

A reunião ocorreu há um ano. Uma madrugada de novembro. Estava frio. O Subcomandante Insurgente Moisés chegou à choupana do Capitão (sim, você não está enganado, naquela época o SupGaleano já havia falecido, só que sua morte ainda não havia sido divulgada). A reunião com as chefes e chefes já havia terminado tarde, e o SubMoy arranjou tempo para passar e me perguntar sobre o progresso da análise que deveria ser apresentada no dia seguinte à assembleia. A lua preguiçosamente avançava para seu quarto crescente e a população mundial chegava aos 8 mil milhões. No meu caderno de anotações, apareciam três notas:

O homem mais rico do México, Carlos Slim, a um grupo de estudantes: “agora, o que vejo para todos vocês é um México próspero com crescimento sustentável, com muitas oportunidades de geração de emprego e atividades econômicas” (10 de novembro de 2022). (Nota: talvez ele esteja se referindo ao Crime Organizado como atividade econômica geradora de emprego. E com mercadorias de exportação).

“(…) a cifra de pessoas atualmente reportadas como desaparecidas no México, desde 1964, já soma 107.201; ou seja, 7.000 a mais que em maio passado, quando ultrapassou a marca de 100.000. (7 de novembro de 2022). (Nota: buscar as buscadoras).

Em Israel, a ONU colocou o número de prisioneiros palestinos em cerca de 5.000, incluindo 160 crianças, segundo o relatório da Relatoria Especial sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados desde 1967. Netanyahu chega à liderança do governo pela terceira vez. (novembro de 2022). (Nota: quem semeia ventos, colherá tormentas).

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Uma fissura como projeto.

Não era a primeira vez que abordávamos o tema. Aliás, nas últimas luas, tinha sido a constante: o diagnóstico que ajudaria a assembleia a tomar uma decisão sobre o “o que vem depois”. Também discutiam isso há meses, mas a ideia-proposta do Subcomandante Insurgente Moisés ainda não tinha se concretizado. Era ainda uma espécie de intuição.

– Não é que todas as portas estejam fechadas”, comecei. “É que não há portas. Todas aquelas que parecem ‘verdadeiras’ não levam a outro lugar que não seja ao ponto de partida. Qualquer tentativa de rota é apenas uma viagem por um labirinto que, no melhor dos casos, te leva ao início. No pior, ao desaparecimento”.

“E então?”, indagou o SubMoy, acendendo o enésimo cigarro.

– Bem, acho que você está certo, só resta abrir uma fissura. Não adianta procurar por outro lado. Temos que fazer uma porta. Vai demorar, sim. E vai custar muito. Mas sim, é possível. Embora não seja qualquer uma. O que estão pensando, ninguém, nunca. Eu mesmo não acreditei que chegaria a sequer ouvi-lo –, apontei.

O SubMoy ficou pensativo por um momento, olhando para o chão da choupana, cheio de bitucas de cigarro, resíduos de tabaco do cachimbo, um fósforo queimado, lama úmida, alguns galhos quebrados.

Depois se levantou e, dirigindo-se à porta, apenas disse: “Bem, não tem jeito, resta ver… falta o que falta”.

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O Fracasso como Objetivo.

Para entender o que significava aquele breve diálogo, preciso explicar uma parte do meu trabalho como capitão. Neste caso, um trabalho que herdei do falecido SupGaleano, que, por sua vez, o recebeu do finado SupMarcos.

Um trabalho ingrato, obscuro e doloroso: prever o fracasso zapatista.

Se estou pensando em uma iniciativa, busco tudo que possa fazê-la fracassar, ou, pelo menos, reduzir seu impacto. Buscar o contrário contraditório. Algo como um “Marcos Contreras”. Sou, pois, o máximo e único representante do “ala pessimista” do zapatismo.

O objetivo é atacar com todo tipo de objeções as iniciativas desde que começam a nascer. Supomos que isso faz que se vá aprimorando e consolidando essa proposta, seja organizativa interna, seja iniciativa externa, seja uma combinação destas duas.

Para deixar claro: o zapatismo se prepara para fracassar. Ou seja, imagina o pior cenário. Com esse horizonte em perspectiva, vão elaborando os planos e detalhando as propostas.

Para conceber esses “fracassos futuros”, usam-se as ciências disponíveis. Busca-se por todos os lados (e quando digo “todos os lados” são todos, incluindo redes sociais e suas fazendas de bots, notícias falsas e os retrucos realizados para conseguir “seguidores”), obtém-se a maior quantidade de dados e informações, cruzam-se e consegue-se assim o diagnóstico do que seria a tempestade perfeita e seu resultado.

Devem tentar entender que não se trata de construir uma certeza, mas de uma hipótese terrível. Em termos do finado: “suponhamos que tudo vá para a merda”. Contra o que se possa crer, essa catástrofe não inclui nosso desaparecimento, mas algo pior: a extinção da espécie humana. Bom, pelo menos tal como a concebemos hoje.

Imagina-se essa catástrofe e começa-se a buscar dados que a confirmem. Dados reais, não as profecias de Nostradamus ou o Apocalipse bíblico ou equivalentes. Ou seja, dados científicos. Recorre-se então a publicações científicas, dados financeiros, tendências, registro de fatos e muitas publicações.

A partir desse futuro hipotético, coloca-se o relógio no sentido inverso.

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A Regra do Terceiro Excluído.

Já em posse do desenho do colapso e sua inevitabilidade, começa a funcionar a regra do terceiro excluído.

Não, não é a conhecida. Esta é uma invenção do finado SupMarcos. Em seus tempos de tenente, dizia que, em caso de falha, primeiro tentava-se uma solução; segundo, uma correção; e terceiro, pois já não havia terceiro, ficava como “sem remédio”. Depois foi aprimorando essa regra até chegar à que agora exponho: sustentada uma hipótese com dados verdadeiros e com análise científica, procura-se buscar dois elementos que contradigam a mencionada hipótese em sua essência. Se encontram esses dois elementos, já não se busca o terceiro, então tem que repensar a hipótese ou confrontá-la já com o juiz mais severo: a realidade.

Esclareço que, quando os zapatistas dizem “a realidade”, incluem sua ação nessa realidade. O que vocês chamam de “a prática”.

Aplico então essa mesma regra. Se encontro pelo menos 2 elementos que contradigam minha hipótese, então abandono a busca, descarto essa hipótese e procuro outra.

A Hipótese Complexa.

Minha hipótese é: já não há remédio.

Apontamentos:

A convivência equilibrada entre o ser humano e a natureza é impossível agora. Na confrontação ganhará quem tem mais tempo: a natureza. O capital converteu a relação com a natureza em um confronto, uma guerra de saque e destruição. O objetivo desta guerra é o aniquilamento do contrário, a natureza neste caso (a humanidade inclusa). Com o critério da “obsolescência programada” (ou “caducidade prevista”), a mercadoria “seres humanos” expira em cada guerra.

A lógica do capital é a de maior lucro na máxima velocidade. Isso faz que o sistema se torne uma gigantesca máquina de dejetos, incluindo seres humanos. Na tormenta, as relações sociais se alteram e o capital improdutivo lança milhões ao desemprego e, daí, ao “emprego alternativo” no crime, e à migração. A destruição de territórios inclui o despovoamento. O “fenômeno” da migração não é o prelúdio da catástrofe, é sua confirmação. A migração produz o efeito de “nações dentro de nações”, grandes caravanas nômades chocando-se com muros de concreto, policiais, militares, criminais, burocráticos, raciais e econômicos.

Quando se fala de migração, esquece-se a outra migração que a precede no calendário. A das populações originárias em seus próprios territórios, agora convertidos em mercadorias. Não se converteu o povo palestino em migrante que deve ser expulso de sua própria terra? Não ocorre o mesmo com os povos originários no mundo?

No México, por exemplo, as comunidades originárias são o “inimigo estranho” que ousa “profanar” o solo da fazenda do sistema, localizada entre o Bravo e o Suchiate. Para combater este “inimigo” há milhares de soldados e policiais, megaprojetos, compra de consciências, repressão, desaparecimentos, assassinatos e uma autêntica fábrica de culpados (cfr. https://frayba.org.mx/ ). Os assassinatos do irmão Samir Flores Soberanes e de dezenas de guardiões da natureza definem o atual projeto de governo.

O “medo do outro” alcança níveis de franca paranoia. A escassez, a pobreza, as desgraças e o crime têm como responsável um sistema, mas agora a culpa é transferida para o migrante que deve ser combatido até ser aniquilado.

Na “política” são oferecidas alternativas e ofertas cada vez mais falsas. Novos cultos, nacionalismos – novos, antigos ou reciclados -, a nova religião das redes sociais e seus neoprofetas: os “influencers”. E a guerra, sempre a guerra.

A crise da política é a crise das alternativas ao caos. A frenética sucessão nos governos da direita, ultradireita, o inexistente centro, e o que presunçosamente se chama de “esquerda”, é apenas um reflexo de um mercado em mudança: se há novos modelos de celulares, por que não “novas” opções políticas?

Os Estados-Nação se transformam em agentes alfandegários do capital. Não há governos, há uma única Patrulha de Fronteira com diferentes cores e diferentes bandeiras. A disputa entre “Estado Gordo” e “Estado Famélico” é apenas uma falida tentativa de ocultar sua natureza primordial: a repressão.

O capital começa a substituir o neoliberalismo como desculpa teórico-ideológica, com sua consequência lógica: o neomalthusianismo. Ou seja, a guerra de aniquilação de grandes populações para alcançar o bem-estar da sociedade moderna. A guerra não é uma irregularidade da máquina, é a “manutenção regular” que assegurará seu funcionamento e duração. A redução radical da demanda para compensar as limitações da oferta.

Não se trata apenas de um neodarwinismo social (os fortes e ricos ficam mais fortes e ricos, e os fracos e pobres mais fracos e pobres), ou da Eugenia, que foi uma das desculpas ideológicas para a guerra nazista de extermínio do povo judeu. Ou não só. Trata-se de uma campanha mundial de aniquilação da população majoritária no mundo: os despossuídos. Despojá-los também da vida. Se os recursos do planeta não são suficientes e não há um planeta reserva (ou ainda não foi encontrado, embora estejam procurando), então corresponde reduzir drasticamente a população. Encolher o planeta através do despovoamento e da reordenação, não apenas de determinados territórios, mas do mundo inteiro. Uma Nakba para todo o planeta.

Se a casa já não pode ser expandida nem é viável construir mais andares; se os habitantes do porão querem subir ao térreo, assaltar a despensa, e, horror!, não param de se reproduzir; se os “paraísos ecológicos” ou “autosustentáveis” (na realidade, apenas “quartos de pânico” do capital) não são suficientes; se os do primeiro andar querem os quartos do segundo e assim por diante; em suma, se a “civilização moderna” e seu núcleo (a propriedade privada dos meios de produção, circulação e consumo) estão em perigo; então é necessário expulsar os inquilinos – começando pelos do porão – até que se atinja “o equilíbrio”.

Se o planeta se esgota em recursos e territórios, segue uma espécie de “dieta” para reduzir a obesidade do planeta. A busca por outro planeta está encontrando dificuldades não previstas. Uma corrida espacial é previsível, mas seu sucesso ainda é uma grande incógnita. As guerras, por outro lado, demonstraram sua “eficácia”.

A conquista de territórios trouxe o crescimento exponencial dos “sobrantes”, “excluídos” ou “prescindíveis”. Seguem as guerras pelo repartimento. As guerras têm uma dupla vantagem: reanimam a produção bélica e suas subsidiárias, e eliminam esses sobrantes de forma expedita e irremediável.

Os nacionalismos não só ressurgirão ou ganharão novo fôlego (daí o vai-e-vem das ofertas políticas de ultradireita), são a base espiritual necessária para as guerras. “O responsável por suas carências é quem está ao seu lado. Por isso sua equipe perde”. A lógica das “torcidas”, “barra-bravas” e “hooligans” – nacionais, raciais, religiosos, políticos, ideológicos, de gênero -, incitando guerras medianas, grandes e pequenas em tamanho, mas com o mesmo objetivo de purificação.

Ergo: o capitalismo não caduca, apenas se transforma.

O Estado-Nação deixou há tempos de cumprir sua função de território-governo-população com características comuns (língua, moeda, sistema jurídico, cultura, etc.). Os Estados Nacionais são agora as posições militares de um único exército, o do cartel do capital. No atual crime mundial do sistema, os governos são os “chefes de praça” que mantêm o controle de um território. A luta política, eleitoral ou não, é para ver quem ascende a chefe de praça. A extorsão por proteção é feita através dos impostos e dos orçamentos para campanhas e o processo eleitoral. O crime desorganizado financia assim sua reprodução, embora seja cada vez mais evidente sua incapacidade de oferecer aos seus subjugados segurança e justiça. Na política moderna, os chefes dos cartéis nacionais são decididos por eleições.

Deste emaranhado de contradições não surge uma nova sociedade. À catástrofe não se segue o fim do sistema capitalista, mas uma forma diferente de seu caráter depredador. O futuro do capital é o mesmo que seu passado e presente patriarcais: exploração, repressão, despojo e desprezo. Para cada crise, o sistema sempre tem à mão uma guerra para resolver essa crise. Portanto: não é possível delinear ou construir uma alternativa ao colapso além de nossa própria sobrevivência como comunidades originárias.

A maioria da população não vê ou não acredita ser possível a catástrofe. O capital conseguiu incutir o imediatismo e o negacionismo no código cultural básico dos de baixo.

Além de algumas comunidades originárias, povos em resistência e alguns grupos e coletivos, não é possível construir uma alternativa que ultrapasse o mínimo local.

A prevalência da noção de Estado-Nação no imaginário de baixo é um obstáculo. Mantém as lutas separadas, isoladas, fragmentadas. As fronteiras que as separam não são apenas geográficas.

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As Contradições.

Apontamentos:

Primeira série de contradições:

A luta dos irmãos da região cholulteca contra a empresa Bonafont, em Puebla, México (2021-2022). Vendo que seus mananciais estavam secando, os moradores voltaram-se contra o responsável: a empresa Bonafont, da Danone. Organizaram-se e tomaram a planta de engarrafamento. Os mananciais se recuperaram e a água e a vida voltaram às suas terras. A natureza respondeu assim à ação de seus defensores e confirmou o que os camponeses diziam: a empresa estava depredando a água. A força repressiva que os desalojou, após um tempo, não pôde ocultar a realidade: os povos defendiam a vida, e a empresa e o governo defendiam a morte. A mãe terra respondeu assim à pergunta: sim, há remédio, respondo com vida a quem defende minha existência; podemos conviver se nos respeitarmos e cuidarmos mutuamente.

A pandemia (2020). Os animais recuperaram sua posição em alguns territórios urbanos abandonados, embora tenha sido momentâneo. A água, o ar, a flora e a fauna tiveram um respiro e se recompuseram, embora tenham sido novamente avassaladas em pouco tempo. Assim, indicaram quem era o invasor.

A Travessia pela Vida (2021). No oriente, ou seja, na Europa, há exemplos de resistência à destruição e, sobretudo, de construção de outra relação com a mãe terra. Os relatórios, histórias e anedotas são muitos para estas notas, mas confirmam que a realidade lá não é apenas a da xenofobia e da idiotice e petulância de seus governos. Esperamos encontrar esforços semelhantes em outras geografias.

Portanto: sim, é possível a convivência equilibrada com a natureza. Deve haver mais exemplos disso. Nota: buscar mais dados, revisar novamente os relatórios da Extemporánea em seu retorno da Travessia pela Vida – Capítulo Europa, o que viram e o que aprenderam, seguir as ações do CNI e de outras organizações e movimentos de povos originários irmãos pelo mundo. Atenção às alternativas em zonas urbanas.

Conclusão parcial: as contradições detectadas colocam em crise um dos pontos da hipótese complexa, mas ainda não a essência. O chamado “capitalismo verde” bem poderia absorver ou substituir essas resistências.

Segunda série de contradições:

A existência e persistência da Sexta e das pessoas, grupos, coletivos, equipes, organizações, movimentos unidos na Declaração pela Vida. E muitas outras pessoas em muitos lugares. Há quem resista e se rebele, e tenta se encontrar. Mas é necessário buscar. E isso nos ensinam as Buscadoras: buscar é uma luta necessária, urgente, vital. Contra tudo, elas se apegam à mais remota esperança.

Conclusão parcial: a mera possibilidade, mínima, ínfima, improvável até um percentual ridículo, de que as resistências e rebeldias coincidam, faz a máquina tropeçar. Não é sua destruição, é verdade. Ainda não. As bruxas escarlates serão decisivas.

O percentual de probabilidade do triunfo da vida sobre a morte é ridículo, sim. Então restam opções: a resignação, o cinismo, o culto ao imediato (“carpe diem” como sustento vital).

E, no entanto, há aqueles que desafiam os muros, as fronteiras, as regras… e a lei das probabilidades.

Terceira série de contradições: Não é necessária. Aplica-se a regra do Terceiro Excluído.

Conclusão geral: portanto, deve-se propor outra hipótese.

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Ah! Vocês pensavam que a iniciativa ou o passo anunciado pelos povos zapatistas era o desaparecimento do MAREZ e do JBG, a inversão da pirâmide e o nascimento dos GAL?

Pois lamento arruinar a tranquilidade de vocês. Não é assim. Volte antes na chamada “Primeira parte” e da discussão sobre os motivos de lobos e pastores. Pronto? Agora coloque isso:

Permissu et gratia a praelatis dico vobis visiones mirabiles et terribiles quas oculi mei in his terris viderunt. 30 Anno Resistentise, et prima luce diei viderunt imagines et sonos, quod nunquam antea viderant, et tamen litteras meas semper intuebantur.  Manus scribit et cor dictat.  Erat mane et supra, cicadae et stellae pugnabant pro terra…

Com a permissão e a graça dos superiores, conto-lhes as visões maravilhosas e terríveis que meus olhos viram nestas terras. No ano 30 da Resistência, e com as primeiras luzes do dia, viram imagens e sons que nunca antes tinham visto e, no entanto, sempre observavam minhas letras. A mão escreve e o coração dita. Era madrugada e acima, grilos e estrelas lutavam pela terra…

El Capitán.

Não apareceu então porque não sabiam da morte do SupGaleano, nem das outras mortes necessárias. Mas assim somos nós, zapatistas: sempre é mais o que calamos do que o que dizemos. Como se nos empenhássemos em desenhar um quebra-cabeça sempre inacabado, sempre com uma peça pendente, sempre com aquela pergunta extemporânea: e você, o que acha?

Das montanhas do Sudeste Mexicano.

El Capitán

40, 30, 20, 10, 2, 1 ano depois.

P.S. – Então, o que falta? Bem… falta o que falta.

PKK, 45 ANOS DE LUTA PELA EXISTÊNCIA, LIBERDADE E HONRA DO POVO CURDO

Fundado oficialmente em 27 e 28 de novembro de 1978, o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão, Partiya Karkerên Kurdistan) tinha como grupo principal um conjunto de estudantes de ciências políticas, liderados por Abdullah Öcalan, em Ancara.


Fundado oficialmente em 27 e 28 de novembro de 1978, o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão, Partiya Karkerên Kurdistan) tinha um núcleo composto principalmente de estudantes de ciência política liderados por Abdullah Öcalan em Ancara. O grupo logo voltou seu foco para a grande população curda no sudeste da Turquia. Em 27 de novembro de 1978, o grupo adotou o nome “Partido dos Trabalhadores do Curdistão”.
O golpe de estado turco de 1980 levou a organização para outra fase, com membros sendo presos, submetidos à pena de morte ou fugindo para a Síria.
O primeiro congresso da organização foi realizado em 1982 e delineou as várias fases necessárias para a libertação do Curdistão.

Em 1984, em 15 de agosto, o PKK realizou sua primeira ação armada.

A fundação do PKK foi inicialmente a resposta à amarga alternativa de “assimilação ou extinção” em um estado comprometido com a ideologia da homogeneidade étnica. Abdullah Öcalan, Haki Karer, Kemal Pir, Sakine Cansız e um punhado de companheiros de armas decidiram pelo caminho da resistência contra o feudalismo da época e um colonialismo voltado para a exploração e, em última análise, extermínio.
Esses primeiros militantes se abstiveram de escrever páginas de declarações de intenção e tratados teóricos sobre independência e autodeterminação. Eles preferiam a prática. “Temos que viver a alternativa sobre a qual sempre falamos”, disse Öcalan. Assim, eles buscaram um caminho na sociedade, conversaram com as pessoas em todos os lugares sobre seus problemas cotidianos, fundaram pequenos círculos de “ajuda para autoajuda” e mostraram como a resistência social pode se desenvolver – mesmo em pequena escala. Com empatia, seriedade e determinação, o PKK ainda jovem acendeu o fogo do autoempoderamento.
Uma das maiores conquistas é a ruptura com o conceito de Estados-nação. Onde quer que o movimento PKK esteja ativo, tentativas estão sendo feitas para reprimir o estado e confiar na auto-organização social. Uma “revolução de base” crescente. A “Declaração do Confederalismo Democrático”, proclamada em 2005 como um realinhamento estratégico do partido, é evidência da capacidade do PKK de aprender com erros e responder a mudanças sociais com novas respostas.

O PKK em suas próprias palavras

“Nosso partido, desde sua fundação, tem lutado pela existência, liberdade e honra do povo curdo contra o genocídio iniciado pelos Unionistas racistas-chauvinistas no início do século 20, que visava acabar com a liberdade do povo curdo e apagá-los da história. Nesse sentido, a decisão tomada em 27 de novembro de 1978 de se tornar um partido também foi uma decisão pela existência nacional e resistência. É por isso que esse dia está sendo celebrado como resistência nacional por nosso povo.
Ao longo dos anos, o PKK lutou para salvaguardar e realizar a liberdade do povo curdo contra o genocídio físico e cultural e políticas de assimilação do Estado-nação turco. Nosso partido travou uma grande resistência contra um dos maiores exércitos do mundo, apoiado pela OTAN e também pela organização Gladio (estado profundo), para trazer o povo curdo ao ponto de declarar autonomia democrática”.

EZLN | DÉCIMA TERCEIRA PARTE: DUAS PARTIDAS DE FUTEBOL E UMA MESMA REBELDIA

“O futebol é a continuação da política por outros meios”.

Don Durito de La Lacandona (“DD”, para fins legais).

Novembro de 2023.

I.- Vésperas da Travessia pela Vida – capítulo Europa.

Um desafio de futebol foi recebido de uma equipe feminina da Europa que resiste e luta.

O SupGaleano se autodenominou “treinador” da equipe “Ixchel – Ramona”, formada por milicianas. Como deve ser, o Sup estudou a equipe adversária. Reúne as companheiras que farão a viagem. Analisa detalhadamente as habilidades e características de cada uma das jogadoras. Vai até o Subcomandante Moisés e dá seu diagnóstico: “vão nos destroçar”. O SubMoy olha para ele com uma expressão de “e daí?”, como se já esperasse por isso. Mas o agora finado ainda não terminou: “Mas tenho um plano secreto, como diz a Dení. Com isso, vamos revolucionar o futebol e redefini-lo em sua essência: o jogo”.

O Subcomandante Insurgente Moisés, coordenador da turnê, está bastante ocupado com os cursos de preparação, certidões de nascimento, passaportes e o desenho da rota a seguir, então ele deixa o SupGaleano prosseguir “a seu critério”. O prospectivo finado sorri e sentencia: “Discrição é meu segundo sobrenome” (não me perguntem qual era o primeiro sobrenome porque seria necessário várias folhas para explicar).

O futuro defunto inicia o treinamento da equipe feminina. Mas, para que sua estratégia tenha sucesso, precisa do apoio do temível, terrível e aterrorizante “Comando Palomitas”, que naquele momento estava tentando abrir um buraco no navio-escola onde se preparou o chamado “Esquadrão 421”. Desapontados porque, antes de terminar o sapo sob a linha de flutuação, o navio se transformou num imponente avião de dois motores, foram consultar o SupGaleano sobre o que poderiam fazer para incendiar a aeronave. O Sup os convenceu de que não era conveniente queimá-la, que era melhor esperar até que estivesse em pleno voo para derrubá-la de dentro. O amado Amado e o Chinto objetaram: se o avião cair, o Comando Palomitas também cairá. O Sup respondeu que não era hora de se deter em pequenos detalhes. Além disso, o Comando era necessário para uma tarefa mais elevada, valendo a repetição, do que sabotar uma viagem aérea que nem sequer completava o pagamento das passagens, sem falar na falta de passaportes, e que a maioria da chamada “Divisão Aerotransportada La Extemporánea” ficava enjoada no caminhão de transporte.

Reunidos o Comando Palomitas, o Sup, o Tzotz, o Tragón e a Pelusa no bunker ultra-secreto que fica no templo da zona Tzotz Choj, procederam a afinar os detalhes do que, daí em diante, seria conhecido mundialmente como o “Brilhante e Excelso Plano para Derrotar um Rival Melhor Preparado, Treinado e Equipado que Nós” (BEPDRMPEEN, pelas suas siglas em espanhol), subtítulo “E olha que eles têm melhor técnica e domínio de bola”.

A reunião top secret seguiu seu curso normal. Ou seja, o Chuy tirou da Lupita o pirulito de chamoy, a Verónica deu um tapa no Chuy e, como se fosse o Supremo Governo, ficou com o pirulito do Chuy, o da Lupita e o seu próprio. O Chinto e o amado Amado insistiam que suas bicicletas haviam quebrado “assim, de repente” e que o Monarca tinha que consertar. A Pelusa, o Tragón e o Tzotz espiavam a mesa à procura de biscoitos, e o Sup dava a aula magistral de “Como ganhar um jogo de futebol com tudo contra”.

O aparente caos se acalmou quando o Sup tirou, não se sabe de onde, uma caixa de “Choki La Galleta Diabólica”, e só então – depois de devorarem 5 pacotes – foram distribuídas as missões, fez-se o cronograma, e devoraram o sexto pacote “em homenagem aos futuros caídos”. “E caídas”, sentiu-se obrigado a adicionar o Chuy, apenas para receber da Verónica outro tapa modelo “a igualdade de gênero não se aplica na desgraça”. A Lupita aprovou a ação com o pirulito de chamoy que o Sup lhe deu para que parasse de chorar.

Foram então o “três vezes T” Comando Palomitas, o Sup e a ala canina do comando, ao semilheiro e, com as milicianas reunidas, explicaram e praticaram o novo esquema “passivo-agressivo” que, como deve ser, tinha como núcleo protagonico o famoso Comando.

Seguindo a antiga e comprovada regra zapatista de “Não jogue com as regras do inimigo”, o Sup desenvolveu uma espécie de mistura de rugby, com dramaturgia do século XIX, com algo de Anime, com cinema muito ao estilo Hollywood esquina com Cannes, com o impressionismo de Monet, um toque de Allan Poe cruzado com Conan Doyle, algo da épica de Cervantes, a brevidade de Joyce, a perspectiva de Buñuel, um toque de Brecht misturado com Beckett, o tempero de uns tacos al pastor, uma cumbia assim bem rebajada – raspadinha, então -, a Anita Tijoux e a Shadia Mansour rompendo fronteiras – Palestina livre -, e, bem, não anotei tudo, mas só faltava a bola.

A estratégia em questão tinha 3 fases:

A primeira era que a Verónica pegava um bonequinho zapatista e se dirigia decidida ao gol adversário, plantava-se diante da goleira inimiga e falava com ela em Cho´ol. A goleira, claro, não entendia nada, mas lá estavam a Lupita e a Esperança Zapatista que traduziam com sinais que a menina lhe dava o bonequinho. E a Esperança, como seu nome indica, oferecia-se para tirar uma foto com a menina e o bonequinho. Para a foto, dizia-lhe para largar a bola, porque a Verónica queria que ela a abraçasse. No momento em que isso acontecia, a Esperança chutava a bola “para o fundo das redes” e toda a equipe gritava “Gol!”. Praticaram inúmeras vezes com sucesso. A única coisa que não conseguiram foi fazer com que a Verónica não tirasse o bonequinho da goleira e saísse correndo.

A segunda variante consistia em que a goleira zapatista recebia a bola, colocava-a sob a camisa esportiva, como se estivesse grávida, e começava a caminhar como tal. Toda a equipe zapatista se aproximava para ajudá-la e levá-la aos serviços médicos. Claro, como estavam em território estranho, as companheiras se confundiam e acabavam indo para o gol inimigo, onde, milagrosamente, a goleira zapatista “dava à luz” a bola que, rolando apenas, ultrapassava a linha inimiga e nascia um gol que esqueça Messi e Cristiano. Enquanto isso, o TTT Comando Palomitas cercava a irmã responsável pelo placar para “exortá-la” a validar o gol conseguido “com o sacrifício da companheira zapatista e sua pequena bola”.

A terceira variante implicava um risco para a protagonista, já que ela tinha que fingir um desmaio. Praticou-se apenas uma vez no semilheiro porque ali o terreno é de cascalho (pedra e areia), e esperava-se que no campo inimigo houvesse grama. A companheira tinha que desmaiar no meio do campo. O Subcomandante Moisés, alarmado, correria para ver a companheira e, com ele, toda a bancada zapatista girava. Todas as companheiras clamavam, em suas respectivas línguas maternas, por serviço médico. Como era de esperar, o inimigo não teria serviço médico, assim que se teria uma maca preparada com antecedência. A árbitra queria chamar os paramédicos, mas o SubMoisés alegaria usos e costumes dos povos originários, assim que os mesmos zapatistas levantavam a desmaiada e a colocavam na maca. Confundidas pela dor e pena de ver a sua irmã de luta caída em combate, as milicianas não acertavam em dirigir-se à banca carregando a maca, assim que terminavam por chegar até o gol inimigo. Nesse momento, os primeiros deuses, os que nasceram no mundo, faziam seu trabalho e a companheira ferida despertaria sem necessidade de que nenhum sapo macho, plebeu ou da realeza, a beijasse, e encontraria a bola aos seus pés, justo na linha de gol e com um chute selaria o destino. Era de esperar que, animadas pela alegria de ver a sua companheira a salvo, as milicianas gritassem “Gol!” Para esse momento, o Comando Palomitas já estaria ao pé do placar para assegurar-se de que se celebrasse a vida.

A quarta não me lembro muito bem – já sei que disse que eram 3, mas não eram 4 os três mosqueteiros? -, embora fosse semelhante em engenho, criatividade e malícia às outras três.

Segundo me contaram as milicianas ao seu regresso, nos territórios que chamam “Itália” e “Estado Espanhol”, as irmãs inimigas rapidamente entenderam do que se tratava e começaram a jogar com o mesmo estilo. Não sei se poderia ser qualificado pela FIFA como futebol, mas, a julgar pelas fotos e vídeos que me mostraram, aquilo foi uma festa. Resultado: não houve quem ganhasse ou quem perdesse… e a Verônica voltou com o bonequinho que, supõe-se, pertencia ao agora falecido SupGaleano. Não, ela não o devolveu.

“E essa foi a mensagem para as geografias de todo o mundo: não jogue com as regras do seu inimigo, crie suas próprias regras”, declarou-me o SupGaleano antes do seu último suspiro.

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II.- Quantos Chipres cabem em um jogo de futebol?

Isso me foi relatado pelo Subcomandante Insurgente Moisés, ao contar detalhes e anedotas do chamado “capítulo Europa” da Travessia pela Vida. O que a seguir relato é o que consegui resgatar da narrativa, cheia de admiração e respeito, do Subcomandante Moisés.

“Há uma geografia que se chama Chipre. Bem, daí que está partido, ou seja, fragmentado. Há cipriotas, greco-cipriotas e turco-cipriotas e não me lembro de quantos mais que se apelidam de cipriotas. Os capitalistas dividiram essa terra, a fragmentaram. E também fragmentaram seu povo, sua língua, sua história, sua cultura. E acontece que, embora seja uma ilha pequena, todos querem o seu dinheiro e, como de costume, os dividem, mas cada parte quer a parte do outro. Ou seja, no meio dos poderosos e suas guerras, ficam os povos.

Bem, então há um time de futebol nessa geografia que se chama Chipre. Tem bons jogadores e são profissionais. Ou seja, seu trabalho é jogar futebol. Então estão perdendo vários jogos e se reúnem entre eles para analisar e dizem que estão perdendo porque a estratégia dos jogos está errada. Vão e dizem ao dono do time, ou seja, ao patrão, que estão perdendo por essa razão, que eles já pensaram em uma estratégia melhor e assim vão ganhar mais jogos.

O patrão, ou seja, o dono do time, olha para eles com desprezo e diz: ‘vocês ganham ou perdem conforme me convém. Às vezes me convém que percam e assim será’.

Os jogadores sabem jogar muito bem, mas também têm bom coração. Então, por assim dizer, se rebelam. Eles se chamam resistência e rebeldia, mas em sua língua. E mandam o dono do time, ou seja, o patrão, para o diabo. Então fazem sua própria equipe de futebol. E se organizam e fazem seu próprio estádio. Essa terra está dividida, então, no meio, dizem ‘em terra de ninguém’, por aí fazem seu estádio e então convidam para jogar e praticar a todos que queiram. Os outros grupos e coletivos que lutam os apoiam e se organizam bem. Não importa se você é cipriota, greco-cipriota, turco-cipriota ou cipriota-não-sei-o-quê. Não se cobra, é voluntário o que cada um quiser dar. Ou seja, por assim dizer, o pagamento não é o que importa. Então, de vez em quando fazem seus jogos e não há divisões de nacionalidades, nem religiões, nem bandeiras, só há futebol. E é como uma festa.

Ou seja, por assim dizer, esses irmãos quebraram essas fronteiras que os patrões e os donos colocaram.

“Então é como se tivessem feito seu caracol. Eles têm um caracol futebolístico! Eu disse a eles que vamos ver quando podemos fazer um jogo de futebol lá na terra deles ou aqui em terra de ninguém”, diz o Subcomandante Insurgente Moisés, porta-voz das comunidades zapatistas, chefe do EZLN, e coordenador da Travessia pela Vida.

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Chega. Saúde e que os jogos, como as pedaladas, não sejam uma competição, mas pretextos para conviver entre diferentes.

Dou fé.

Das montanhas do Sudeste Mexicano.

El Capitán

México, novembro de 2023. 40, 30, 20, 10, 2 anos depois.

Música: “Somos Sur”, interpretada por Ana Tijoux e Shadia Mansour

Imagens do jogo de futebol entre a equipe Ixchel-Ramona e as irmãs inimigas italianas tiradas na geografia que chamam Roma, Itália, em novembro de 2021. Adereço de imagens de mobilização dos povos zapatistas contra as guerras em 2022. Tercios Compas. Copyleft novembro de 2023

EZLN | DÉCIMA SEGUNDA PARTE: FRAGMENTOS

Fragmentos de uma carta do Subcomandante Insurgente Moisés enviada, há alguns meses, para uma geografia distante na distância e próxima no pensamento:

“Comissão Sexta Zapatista.

México.

Abril de 2023.

(…)

Porque então seria algo como que, frente à terrível tempestade que já atinge todos os cantos do planeta, inclusive aqueles que se pensavam a salvo de todo mal, nós não vemos a tempestade.

Quero dizer, não só vemos a tempestade, e a destruição, morte e dor que traz consigo. Também vemos o que vem depois. Queremos ser a semente de uma futura raiz que não veremos, que depois será, por sua vez, a grama que também não veremos.

A vocação zapatista, se alguém nos pressiona por uma definição lacônica, é então “ser boa semente”.

Não pretendemos herdar às próximas gerações uma concepção do mundo. Não lhes herdar nossas misérias, nossos rancores, nossas dores, nossas fobias, nem nossas filias. Também não que sejam um espelho com uma imagem mais ou menos aproximada do que supomos bom ou mau.

O que queremos é herdar vida. O que façam com ela outras gerações será sua decisão e, sobretudo, sua responsabilidade. Assim como nós herdamos vida de nossos ancestrais, tomamos o que consideramos valioso, e nos atribuímos uma tarefa. E, claro, nos responsabilizamos pela decisão que tomamos, pelo que fazemos para cumprir essa tarefa, e pelas consequências de nossas ações e omissões.

Quando dizemos que “Não é necessário conquistar o mundo, basta refazê-lo”, nos afastamos, definitiva e irremediavelmente, das concepções políticas vigentes e das anteriores. O mundo que vemos não é perfeito, nem de longe. Mas é melhor, sem dúvida alguma. Um mundo onde cada um seja quem é, sem vergonha, sem ser perseguido, mutilado, encarcerado, assassinado, marginalizado, oprimido.

Como se chama esse mundo? Que sistema o sustenta ou é o dominante? Bom, isso decidirão, ou não, aqueles que nele viverem.

Um mundo onde os esforços de hegemonizar e homogeneizar aprendam com o que provocaram neste e em outros tempos, e fracassem nesse mundo vindouro.

Um mundo no qual a humanidade não seja definida pela igualdade (que apenas esconde a segregação daqueles que “não são iguais”), mas pela diferença.

Um mundo onde a diferença não seja perseguida, mas celebrada. Um mundo em que as histórias contadas não sejam as dos que ganham, porque ninguém ganha.

Um mundo onde as histórias que se contam, seja na intimidade, ou nas artes, ou na cultura, sejam como as que nossos avós nos contaram, e que ensinem não quem ganhou, porque ninguém ganhou e, portanto, ninguém perdeu.

Essas histórias que nos permitiram imaginar coisas terríveis e maravilhosas e nas quais, entre a chuva e o cheiro do milho cozinhando, o café e o tabaco, conseguimos imaginar um mundo incompleto, sim, desajeitado também, mas muito melhor do que o mundo que nossos antepassados e nossos contemporâneos sofreram e estamos sofrendo.

Não pretendemos herdar leis, manuais, cosmovisões, catecismos, regras, rotas, destinos, passos, companhias, que, se olharmos com atenção, é o que quase todas as propostas políticas aspiram.

Nossa pretensão é mais simples e terrivelmente mais difícil: herdar vida.

(…)

Porque nós vemos que essa terrível tempestade, cujos primeiros ventos e chuvas já atingem todo o planeta, está chegando muito rápido e muito forte. Então não vemos o imediato. Ou sim, mas de acordo com o que vemos a longo prazo. Nossa realidade imediata está definida ou de acordo com duas realidades: uma de morte e destruição que trará à tona o pior do ser humano, independentemente de sua classe social, sua cor, sua raça, sua cultura, sua geografia, sua língua, seu tamanho; e outra de recomeçar sobre os escombros de um sistema que fez o que sabe fazer melhor, ou seja, destruir.

Por que dizemos que ao pesadelo que já está, e que não fará senão piorar, seguirá um despertar? Bom, porque há quem, como nós, esteja empenhado em ver essa possibilidade. Mínima, é verdade. Mas todos os dias e a todas as horas, em todos os lugares, lutamos para que essa mínima possibilidade cresça e, mesmo pequena e sem importância -como uma semente diminuta-, cresça e, algum dia, seja a árvore da vida que será de todas as cores ou não será.

Não somos os únicos. Nestes 30 anos, nos debruçamos sobre muitos mundos. Diferentes em modos, tempos, geografias, histórias próprias, calendários. Mas iguais apenas no empenho e no olhar absurdo posto em um tempo extemporâneo que acontecerá, não pelo destino, não por designação divina, não porque alguém perca para que alguém ganhe. Não, será porque estamos trabalhando nisso, lutando, vivendo e morrendo por isso.

E haverá um prado, e haverá flores, e árvores, e rios, e animais de todo tipo. E haverá grama porque haverá raízes. E haverá uma menina, um menino, umoa meninoa que viverá. E chegará o dia em que terá que se responsabilizar pela decisão que tomar sobre o que fazer com essa vida.

Não é essa a liberdade?

(…)

E contaremos a história da mulher indígena de raiz maia, de mais de 40 anos, que caiu dezenas de vezes aprendendo a andar de bicicleta aro 20. Mas também que se levantou o mesmo número de vezes e agora anda em uma aro 24 ou aro 26 e, com ela, chegará aos cursos de plantas medicinais.

Do promotor de saúde que chegará a tempo, a uma comunidade isolada e sem caminho pavimentado, para administrar soro antiofídico a um ancião atacado por uma cobra nauyaca.

Da indígena, autoridade autônoma que, com sua anágua e sua bolsa, chegará a tempo a uma assembleia de “como mulheres que somos” e poderá dar a palestra sobre higiene feminina.

E que, quando não havia veículo, gasolina, motorista ou caminho transitável, a saúde, na medida do nosso desenvolvimento e possibilidades, chegará a uma choupana em um canto da selva lacandona.

Uma choupana onde, ao redor de um fogão, chovendo e sem luz elétrica, chegará, também de bicicleta, a promotora de educação e, entre o cheiro de milho cozido, café e tabaco, ouvirá uma história terrível e maravilhosa, contada na voz e língua de uma anciã. E nessa história se falará do Votán, que não era homem nem mulher nem outroa. E que não era um, mas muitos. E ouvirá que dirá: “isso somos, Votán, guardião e coração do povo”.

E que, já na escola, essa promotora de educação contará às crianças e aos meninos zapatistas essa história. Bom, mais bem a versão que fará do que se lembrar de ter ouvido, porque não se ouvia muito devido ao barulho da chuva e à voz apagada da mulher que contava a história.

E de “la cúmbia de la bicicleta” que algum grupo juvenil musical criará e que nos aliviará a todos de ouvir pela enésima vez “la cúmbia del sapito”.

E nossos mortos, a quem devemos honra e vida, talvez digam ‘bom, finalmente entramos na era da roda’. E nas noites olharão para o céu estrelado, sem nuvens que o ocultem, e dirão ‘Bicicletas! Depois, vêm as naves espaciais’. E vão rir, eu sei. E alguém vivo ativará um gravador e se ouvirá uma cumbia que todos, vivos e mortos, esperamos que não seja ‘la del moño colorado’.

(…)

Das montanhas do Sudeste Mexicano.

Em nome das crianças, homens, mulheres e outroas zapatistas.

Subcomandante Insurgente Moisés.

Coordenador Geral da ‘Gira por la Vida’.

México, abril de 2023.

Estes fragmentos são retirados do original, e com as autorizações do remetente e da destinatária.

Dou fé.

El Capitán.

Novembro de 2023.

EZLN | DÉCIMA PARTE: SOBRE AS PIRÂMIDES E SEUS USOS E COSTUMES (Conclusões da análise crítica de MAREZ e JBG)

Leia todos os comunicados aqui

Décima Parte: Sobre as Pirâmides e seus usos e costumes.

Conclusões da análise crítica de MAREZ e JBG.

(Fragmento da entrevista feita ao SubComandante Insurgente Moisés nos meses de agosto-setembro de 2023, nas montanhas do Sudeste Mexicano)

Novembro de 2023.

Introdução.

Quem construiu Tebas, a das sete portas? Nos livros vem o nome dos reis, Mas foram os reis que transportaram as pedras? Babilônia, tantas vezes destruída, Quem outras tantas a reconstruiu?  Em que casas Da Lima Dourada moravam seus obreiros? No dia em que ficou pronta a Muralha da China, para onde foram os seus pedreiros? A grande Roma está cheia de arcos de triunfo.  Quem os ergueu?

Bertold Brecht.

É conhecida a obsessão que têm os sistemas dominantes, ao longo de sua história, em resgatar a imagem das classes ou castas dominantes derrotadas. Como se no vencedor estivesse a preocupação de neutralizar a imagem do vencido: ignorar sua queda. No estudo dos restos da civilização ou cultura vencida, costuma-se enfatizar nos grandes palácios dos governantes, nas construções de caráter religioso da alta hierarquia, e nas estátuas ou monumentos que os dominantes de então faziam de si mesmos.

Não sempre com genuíno interesse antropológico ou arqueológico (não é o mesmo), estudam-se, por exemplo, as pirâmides. Seu sentido arquitetônico-religioso – às vezes também científico -, e o que nos folhetos turísticos (e nos programas políticos de todo o espectro) chamam de “o esplendor do passado”.

É natural que os distintos governos se fixem e, não sem suspiros anelantes, se concentrem em reis e rainhas. Os grandes palácios e pirâmides podem ser apontados como referências do avanço científico dessas épocas, da organização social e das causas “de seu desenvolvimento e declínio”, mas nenhum governante gosta de ver seu futuro refletido no passado. Por isso retorcem a história passada e é possível reagendar fundações de cidades, impérios e “transformações”. Assim, sem se dar conta, cada selfie que tiram em sítios arqueológicos oculta mais do que mostra. Lá em cima, o vencedor de hoje será o derrotado de amanhã.

Mas, se não se menciona que essas construções deveriam ter quem as desenhasse – seus arquitetos, engenheiros e artistas -, muito menos haverá referência à “mão de obra”, ou seja, aos homens e mulheres sobre cujas costas (em mais de um sentido) se levantaram essas maravilhas que surpreendem turistas de todo o mundo, enquanto fazem tempo para ir ao clube noturno, ao shopping e à praia.

Daí a ignorar que a descendência dessa “mão de obra” se mantém viva e atuante, com língua e cultura, é um só passo. Os originários que ergueram, por exemplo, as pirâmides de Teotihuacán e da zona Maia no sudeste mexicano, existem (ou seja, resistem) e, às vezes, agregam à sua resistência esse componente subversivo que é a rebeldia.

No caso do México, os distintos governos preferem os originários como artesanato vivo e, às vezes, como coreografia a gosto. O governo atual não representa nenhuma mudança nisso (bom, não só nisso, mas não é o tema). Os povos originários continuam sendo objeto de esmola (essa aspirina para sem-vergonhas), transporte eleitoral, curiosidade artesanal e ponto de fuga para quem administra a destruição em curso: “vou destruir sua vida, ou seja, seu território; mas não se preocupe, vou preservar as pirâmides de quem explorou seus ancestrais e essas coisas engraçadas que você fala, veste e faz”.

Dito o anterior, esta “imagem” da pirâmide – o topo superior estreito e a base inferior larga -, é usada agora pelo Subcomandante Insurgente Moisés para nos explicar algo do que foi a análise (feroz e implacável, a meu ver) do trabalho dos MAREZ e Juntas de Bom Governo.

El Capitán

Algo de história, não muita, apenas de 30 anos.

Os MAREZ e as Juntas de Bom Governo não foram totalmente ruins. É preciso lembrar como chegamos até eles e elas. Para os povos zapatistas, foram como uma escola de alfabetização política. Uma autoalfabetização.

A maioria de nós não sabia ler, nem escrever, nem falar espanhol. Além disso, falávamos diferentes línguas. Isso foi bom, porque então nossa ideia e nossa prática não vieram de fora, mas tivemos que buscar em nossas cabeças, em nossa história como indígenas, no nosso modo, então.

Nunca tivemos a oportunidade de nos governarmos. Sempre fomos governados. Até mesmo antes dos espanhóis, o império Asteca, que tanto agrada o atual governo – acho que porque eles gostam daqueles que mandam -, oprimia muitas línguas e culturas. Não apenas no que agora é o México, também no que agora é a América Central.

A situação em que estávamos era de morte e desespero. Fecharam tudo para nós. Não havia portas, nem janelas, nem frestas. Como se quisessem que morrêssemos sufocados. Então, como quem diz, tivemos que abrir uma fenda nesse muro que nos cercava e condenava. Como se tudo fosse escuridão e com nosso sangue acendêssemos uma pequena luz. Isso foi o levante zapatista, uma luzinha na noite mais escura.

Depois veio que muitas pessoas pediram um alto ao fogo, que era necessário dialogar. Sobre isso, então, já sabem os cidadãos. A muitos deles aconteceu o mesmo que conosco, que os maus governos nunca cumprem. E não cumprem porque os governos são os principais opressores. Então, tínhamos que escolher se esperávamos que algum dia cumprissem, ou se buscávamos por nosso lado. E escolhemos buscar nosso próprio caminho.

E bem, então era necessário se organizar para isso. Tínhamos nos organizado e preparado durante 10 anos para nos levantarmos em armas, para morrer e matar. E então resulta que tínhamos que nos organizar para viver. E viver é liberdade. E justiça. E poder nos governarmos como povos, não como crianças pequenas que assim nos veem os governos.

Foi aí que chegou em nossa cabeça que temos que fazer um governo que obedeça. Ou seja, que não faça como quer, mas que cumpra o que dizem os povos. Ou seja, “mandar obedecendo”, que é a palavra que agora os sem-vergonha de hoje copiam (ou seja, não só copiam teses. Nota da redação).

Então, com os municípios autônomos aprendemos que sim, podemos nos autogovernar. E isso foi possível porque muitas pessoas nos apoiaram desinteressadamente para encontrar o caminho da vida. Ou seja, essa gente não veio para ver o que podia ganhar – como aqueles que imagino que você vai contar aos de fora quando falar dos 30 anos -, mas realmente se comprometeram com um projeto de vida. E houve quem quisesse nos dizer como devemos fazer. Mas não nos levantamos em armas para mudar de patrão. Não existe patrão bom. Mas houve outras pessoas que sim, respeitaram nosso pensamento, nosso modo.

O valor da palavra.

Quando obtemos esse apoio, é como um compromisso que fazemos. Se dissermos que precisamos de apoio para construir escolas e clínicas, para preparar promotores de saúde e educação, por exemplo, temos que cumprir. Ou seja, não podemos dizer que é para uma coisa e usá-lo para outra. Tínhamos e temos que ser honrados, porque essas pessoas não vêm para nos explorar, mas para nos encorajar. Assim vimos.

Então temos que suportar os ataques e as maldades dos maus governos, dos fazendeiros, das grandes empresas, que estão sempre tentando nos testar para ver se aguentamos ou se facilmente caímos em uma provocação para nos acusar de mentir, de querer também Poder e pagamento. E isso do Poder é como uma doença que mata boas ideias e corrompe, ou seja, como que adoece as pessoas. E aí tem que uma pessoa que parece boa, com Poder enlouquece. Ou talvez já estivesse louco e o Poder só revelou seu coração.

Então pensamos que precisamos organizar, por exemplo, nossa saúde. Porque vimos e vemos claramente que o que o governo faz é uma grande mentira que só serve para roubar e não se importa que as pessoas morram, especialmente se forem indígenas.

E aconteceu que, quando fizemos essa fenda no sistema e nos mostramos, vimos muitas coisas. Mas também muitas pessoas nos viram. E entre essas pessoas, algumas nos olharam e se arriscaram a ajudar e apoiar. Porque, e se fôssemos mentirosos e não fizéssemos o que dissemos? Mas bem, se arriscaram e nos comprometeram.

Veja, lá fora, nas cidades, a palavra não vale nada. Podem dizer uma coisa em um momento, e no minuto seguinte dizer o contrário e como se nada, tranquilos. Está aí, por exemplo, a chamada “manhã”, onde um dia é uma coisa e no outro dia o contrário. Mas, como dá pagamento, então aplaudem e estão felizes porque lhes dão umas esmolas que nem sequer saem desse pagamento do seu trabalho, mas do que a gente trabalhadora dá aos governos com os impostos, que são como a “cobrança de segurança” do crime desorganizado.

Então essa gente nos apoia e começamos pouco a pouco com medicina preventiva. Como já tínhamos recuperado as terras, melhoramos nossa alimentação, mas era necessário mais. Então saúde. Precisamos recuperar o conhecimento das ervas, mas não é suficiente, também precisamos da ciência. E graças a médicos e médicas, que chamamos de “fraternidades” porque são como nossos irmãos, nos orientaram. Assim nasceram ou se formaram os primeiros formadores de Saúde, ou seja, os que preparam os promotores.

E também a educação, especialmente em castelhano. Porque para nós é muito importante o espanhol, pois é como a ponte pela qual podemos nos comunicar e entender entre diferentes línguas. Por exemplo, se você fala tzeltal, vai ter dificuldade para se comunicar em língua cho´ol, ou tzotzil, ou tojolabal, ou zoque, ou mame, ou quiché. Então precisamos aprender espanhol. E as escolas autônomas são muito importantes para isso. Por exemplo, nossa geração fala combinando língua e espanhol, ou seja, não muito bem, ou seja, falamos torto. Mas já há gerações de jovens, que aprenderam em escolas autônomas, que sabem castelhano melhor do que alguns cidadãos. O falecido SupMarcos dizia que esses jovens poderiam corrigir escritos de estudantes universitários. E você sabe que, antes, para fazer uma denúncia, tinha que ir à Comandancia para redigir. Mas depois não. Em cada autoridade autônoma havia um ou uma escritora, e saía exato.

Logo um avanço empurra outro. E em pouco tempo esses jovens querem mais, aprender mais. Então organizamos nossa saúde em cada povo, cada região e zona. Vamos avançando em cada área da saúde, parteiras, plantas medicinais, osseiros, laboratório, dentista, ultrassom, entre outras áreas, há clínicas. O mesmo na escola, ou seja, educação. Dizemos escola, porque educação também falta para nós adultos, é muito amplo para nós, educação, e não apenas para crianças e adolescentes.

Além disso, organizamos o trabalho produtivo porque já temos terra, que antes estava nas mãos dos fazendeiros. E assim trabalhamos em família e coletivamente a milpa, o feijoeiro, o cafezal, hortaliças, granja. E algo de gado, que mais é usado para emergências econômicas e para as festas. O trabalho coletivo permitiu a independência econômica das companheiras e isso trouxe muitas coisas mais. Mas sobre isso elas já falaram.

Uma escola.

Ou seja, como quem diz, aprendemos a nos governar e assim pudemos deixar de lado os maus governos e organizações que dizem ser de esquerda, progressistas e não sei mais o quê. 30 anos aprendendo o que é ser autônomo, ou seja, nos autodirigimos, nos autogovernamos. E não tem sido fácil, porque todos os governos que passaram, do PRI, PAN, PRD, PT, VERDE e MORENA, não acabam com seu desejo de nos destruir. Por isso, igual aos governos passados, neste saiu isso de que já desaparecemos, ou que já fugimos, ou que estamos muito derrotados, ou que já não há de zapatista, que fomos para os Estados Unidos ou para a Guatemala. Mas veja, aqui estamos. Em resistência e rebeldia.

E o mais importante que aprendemos nos MAREZ é que a autonomia não é teórica, de escrever livros e fazer discursos. É de fazer. E temos que fazer nós como povos, e não esperar que alguém venha fazer por nós.

Tudo isso é, digamos, o bom dos MAREZ: uma escola de autonomia prática.

E as Juntas de Bom Governo também foram muito importantes porque com elas aprendemos a trocar ideias de lutas com outros irmãos do México e do mundo, onde vimos que era bom pegamos e onde vimos que não, descartamos. Alguns nos dizem que temos que obedecer assim como dizem. Onde vai ser isso? Se colocamos nossa vida em jogo. Ou seja, é isso que valemos: nosso sangue e o das gerações de antes e das que vêm. Não estamos para que ninguém venha nos dizer o que vamos fazer, mesmo que se presuma muito sábio. Com as JBG aprendemos a nos encontrar e a nos organizar, a pensar, a opinar, a propor, a discutir, a estudar, a analisar e a decidir por nós mesmos.

Ou seja, como resumo, te digo que os MAREZ e JBG serviram para que aprendêssemos que a teoria sem prática é só conversa. E que a prática sem teoria, bem, anda como cego. E como do que começamos a fazer não há teoria ou seja, não há manual ou um livro, então também tivemos que fazer nossa própria teoria. Aos tropeços fizemos a teoria e a prática. Acho que por isso não nos querem muito os teóricos e as vanguardas revolucionárias, porque não só lhes tiramos o trabalho. Também lhes mostramos que uma coisa é a falação e outra a realidade. E aqui estamos nós, os ignorantes e atrasados como nos chamam, que não podemos encontrar o caminho porque somos camponeses. Mas aqui estamos e embora nos neguem, existimos. Não tem jeito.

A Pirâmide.

Bem, então segue o ruim. Ou mais do que ruim, é que demonstrou que já não vai servir para o que vem. Além das falhas que já tem. Segundo me dizes, isso de como começou tudo isso ou seja como chegou na nossa cabeça, vamos contar depois, aí vamos ver.

O principal problema é a maldita pirâmide. A pirâmide foi separando as autoridades dos povos, foram se distanciando entre povos e autoridades. Não descem tal qual as propostas de autoridades aos povos, nem tampouco chegam às autoridades as opiniões dos povos.

Por causa da pirâmide cortam-se muitas informações, as orientações, sugestões, apoios de ideias que explicam os companheiros e companheiras do CCRI. Não transmite cabalmente a Junta de Bom Governo e a mesma coisa acontece quando é explicado às Autoridades dos Municípios Autônomos Rebeldes Zapatistas, de novo se repete quando os MAREZ informam às assembleias de autoridades dos povos e por último assim acontece com as autoridades dos povos quando explicam a cada povo. Muitos cortes de informação ou interpretações, ou agregados que não estavam assim na originalidade.

E também se fizeram muitos esforços na formação das autoridades e a cada 3 anos saem e entram novos. E a base principal das autoridades dos povos não está sendo preparada. Ou seja, não se formam substitutos. “Coletivo de governo” dissemos e não se cumpriu cabalmente, poucas vezes se faziam assim os trabalhos e é mais o que não se cumpre, tanto nos MAREZ quanto nas JBG.

Estava-se caindo já em querer decidir já elas, as autoridades, os afazeres e as tomadas de decisões, como MAREZ e JBG. Queriam deixar de lado os 7 princípios do mandar obedecendo.

Também houve ONGs, que à força querem que se aceitem seus projetos que levavam às JBG e aos MAREZ e não é o que os povos necessitavam. E pessoas que visitavam, ficavam como amigos e amigas de uma família ou um povo e a eles só a eles mandavam alguma ajuda. E alguns visitantes queriam nos dirigir e tratar-nos como seus serviçais. E pois com muita amabilidade tínhamos que lembrar-lhes que somos zapatistas.

E também houve, em alguns MAREZ e JBG, má administração de recursos dos povos, e, claro, foram sancionados.

Ou seja, em resumo, viu-se que a estrutura de como se estava governando, de pirâmide, não é o caminho. Não é de baixo, é de cima.

Se o zapatismo fosse só o EZLN pois é fácil dar ordens. Mas o governo deve ser civil, não militar. Então mesmo o povo tem que buscar seu caminho, seu modo e seu tempo. Onde, quando e que coisa. O militar deve ser só para defesa. Pirâmide pode servir talvez para militar, mas não para civil. Isso é o que vemos.

Já em outro momento contaremos como está mesmo a situação aqui em Chiapas. Mas agora só dizemos que está como em qualquer outra parte. Está pior do que os anos passados. Agora matam-nos em suas casas, em suas ruas, em seus povos. E não há governo que veja e escute as exigências dos povos. E não fazem nada porque eles mesmos são os criminosos.

Não só isso. Já dissemos que vemos muitas desgraças que vão chegar ou que já estão aqui. Se vê que vai chover ou que já estão caindo as primeiras gotas e o céu está negro como a alma de um político, então você tira seu plástico e procura onde vai se abrigar. O problema é que não há onde se proteger. Tem que construir seu próprio refúgio.

O assunto é que vimos que com os MAREZ e JBG não vamos poder enfrentar a tempestade. Precisamos que a Dení cresça e viva e que nasçam e vivam todas as outras sete gerações.

Por tudo isso e mais, entramos numa grande série de reflexões e chegamos à conclusão de que só nos resta uma grande discussão de todos os povos e análises, de que forma enfrentar a nova e má situação e ao mesmo tempo de como vamos seguir nos governando. Realizaram-se reuniões e assembleias, zona por zona, até chegar a um acordo de que já não vão existir Juntas de Bom Governo nem os Municípios Autônomos Rebeldes Zapatistas. E que precisamos de uma nova estrutura, ou seja, nos acomodar de outra forma.

Claro, esta proposta não é só de reorganizar. É também uma nova iniciativa. Um novo desafio. Mas acho que isso é o que diremos depois.

Assim, em geral, sem tanto rodeio, os MAREZ e JBG serviram, e muito, nessa etapa. Mas já segue outro passo e essas roupas já nos ficam curtas, desgastadas, e se rompem e embora você vá remendando, é em vão. Porque vai chegar um momento em que será só tiras de tecido.

Então o que fizemos foi cortar a pirâmide. Cortamos ela do topo. Ou melhor, como que a viramos, a colocamos de cabeça para baixo.

Celebrar o passado ou o futuro?

Temos que seguir caminhando e em plena tempestade. Mas já estamos acostumados como povos a caminhar com tudo contra nós.

Este dezembro e janeiro que vêm, não celebramos os 30 anos do levante. Para nós, cada dia é uma celebração, porque estamos vivos e lutando.

Vamos celebrar que começamos um caminho que nos levará ao menos 120 anos, talvez mais. Já levamos mais de 500 anos nessa jornada, então não falta muito, apenas pouco mais de um século. E isso já não fica tão distante. É, como diz José Alfredo Jiménez, “ahí nomás tras lomita”. (bem ali, logo atrás da pequena colina)

Das montanhas do Sudeste Mexicano.

Subcomandante Insurgente Moisés.

(Trecho da entrevista realizada pelo Capitão Marcos, para os Tercios Compas. Copyleft México, novembro de 2023. Autorização da JBG… ah caray, se já não existem Juntas… bom, do MAREZ… pois, também não… Bom, o assunto é que está autorizado. A entrevista foi realizada à moda antiga, ou seja, como antes faziam os repórteres, com caderno e lápis. Agora nem sequer vão ao local buscar a notícia, a tiram das redes sociais. Sim, uma pena, ouça).

Dou fé.

El Capitán, praticando a cumbia “Sopa de Caracol”. ¡Tállele manque haiga lodo! (Continue rastejando, mesmo que haja lama)

EZLN | NONA PARTE: A NOVA ESTRUTURA DA AUTONOMIA ZAPATISTA

Nona parte: A Nova Estrutura da Autonomia Zapatista.

Novembro de 2023.

Irmãs, irmãos e companheiras e companheiros:

Vou tentar explicar como reorganizamos a autonomia, ou seja, a nova estrutura da autonomia zapatista. Explicarei mais detalhes mais tarde. Ou talvez não explicarei mais, porque o que importa é a prática. Claro que também podem vir ao aniversário e ver as peças de teatro, canções, poesias e as expressões de arte e cultura desta nova etapa da nossa luta. Se não, os Tercios Compas enviarão fotos e vídeos. Em outro momento, contarei o que vimos de bom e de ruim na avaliação crítica dos MAREZ e JBG. Por agora, só direi como fica. Vamos lá:

Primeiro. – A base principal, que não é apenas onde se sustenta a autonomia, mas também sem a qual as outras estruturas não podem funcionar, é o Governo Autônomo Local, GAL. Há um GAL em cada comunidade onde habitam bases de apoio zapatistas. Os GAL zapatistas são o núcleo de toda a autonomia. São coordenados pelos agentes e comissários autônomos e estão sujeitos à assembleia do povo, rancharia, comunidade, localidade, bairro, ejido, colônia, ou como cada população se autodenomina. Cada GAL controla seus próprios recursos organizativos autônomos (como escolas e clínicas) e a relação com povos irmãos não-zapatistas vizinhos. E controla o bom uso do pagamento. Também detecta e denuncia más administrações, corrupções e os erros que possam existir. E está atento àqueles que se querem passar por autoridades zapatistas para pedir apoios ou ajudas que usam para benefício próprio.

Então, se antes havia algumas dezenas de MAREZ, ou seja, Municípios Autônomos Rebeldes Zapatistas, agora há milhares de GAL zapatistas.

Segundo. – De acordo com suas necessidades, problemas e avanços, vários GAL se convocam em Coletivos de Governos Autônomos Zapatistas, CGAZ, e aqui discutem-se e tomam-se decisões sobre assuntos que interessam aos GAL convocantes. Quando assim determinem, o Coletivo de Governos Autônomos convoca uma assembleia das autoridades de cada comunidade. Aqui se propõem, discutem e aprovam ou rejeitam os planos e necessidades de Saúde, Educação, Agroecologia, Justiça, Comércio, e outros que forem necessários. No nível do CGAZ estão os coordenadores de cada área. Não são autoridades. Seu trabalho é garantir a execução das tarefas solicitadas pelos GAL ou que se vejam necessárias para a vida comunitária. Como, por exemplo: campanhas de medicina preventiva e vacinação, campanhas para doenças endêmicas, cursos e capacitação especializada (como técnicos em laboratório, raios-X, ultrassom, mamografias e o que mais aprendermos), de alfabetização e níveis superiores, encontros esportivos, culturais, festividades tradicionais, etc. Cada região ou CGAZ tem seus diretores, que são os que convocam assembleias se houver algum problema urgente ou que afete várias comunidades.

Ou seja, onde antes havia 12 Juntas de Bom Governo, agora haverá centenas.

Terceiro. – Seguem-se as Assembleias de Coletivos de Governos Autônomos ZAPATISTAS, ACGAZ. Que são o que antes se conhecia como zonas. Mas não têm autoridade, dependem dos CGAZ. E os CGAZ dependem dos GAL. A ACGAZ convoca e preside as assembleias de zona, quando necessárias segundo as solicitações de GAL e CGAZ. Têm sua sede nos caracóis, mas movem-se entre as regiões. Ou seja, são móveis, de acordo com as demandas de atenção dos povos.

Quarto. – Como poderá ser visto na prática, o Comando e Coordenação da Autonomia foram transferidos das JBG e MAREZ para os povos e comunidades, para os GAL. As zonas (ACGAZ) e as regiões (CGAZ) são comandadas pelos povos, devem prestar contas aos povos e buscar formas de atender às suas necessidades em Saúde, Educação, Justiça, Alimentação e outras que surjam por emergências causadas por desastres naturais, pandemias, crimes, invasões, guerras e as demais desgraças impostas pelo sistema capitalista.

Quinto. – Reorganizamos a estrutura e disposição do EZLN de modo a aumentar a defesa e segurança das comunidades e da mãe terra em caso de agressões, ataques, epidemias, invasão de empresas predatórias da natureza, ocupações militares parciais ou totais, catástrofes naturais e guerras nucleares. Preparamo-nos para que nossos povos sobrevivam, mesmo isolados uns dos outros.

Sexto. – Entendemos que possam ter dificuldades para assimilar isso. E que, por um tempo, terão dificuldades para entender. Nós levamos 10 anos para pensar nisso, e desses 10 anos, 3 foram para prepará-lo para a prática.

Também entendemos que possa parecer que seu pensamento está confuso. Por isso é necessário que mudem seu canal de entendimento. Apenas olhando muito longe, para trás e para frente, será possível entender o passo presente.

Esperamos que compreendam que é uma estrutura nova de autonomia, que estamos apenas aprendendo e que levará um pouco de tempo para funcionar bem.

Na verdade, este comunicado tem apenas a intenção de dizer que a autonomia zapatista continua e avança, que achamos que estará assim melhor para os povos, comunidades, paragens, bairros, colônias, ejidos e rancherias onde vivem, ou seja, lutam as bases de apoio zapatistas. E que foi decisão deles, levando em conta suas ideias e propostas, suas críticas e autocríticas.

Também, como se verá, esta nova etapa da autonomia é feita para enfrentar o pior da Hidra, sua bestialidade mais infame e sua loucura destrutiva. Suas guerras e invasões empresariais e militares.

Não existem para nós fronteiras nem geografias distantes. Tudo o que acontece em qualquer canto do planeta nos afeta e diz respeito, nos preocupa e dói. Na medida de nossas muito pequenas forças, apoiaremos seres humanos em desgraça, sem importar sua cor, raça, nacionalidade, crença, ideologia e língua. Embora não saibamos muitos idiomas nem entendamos muitas culturas e modos, sabemos compreender o sofrimento, a dor, a pena e a digna raiva provocada pelo sistema.

Sabemos ler e escutar os corações irmãos. Continuaremos tentando aprender com eles, com suas histórias e suas lutas. Não só porque sofremos isso por séculos inteiros e sabemos o que é. Também e principalmente porque, como há 30 anos, nossa luta é pela vida.

Certamente cometemos muitos erros em todos esses anos. Com certeza faremos mais nos próximos 120 anos. Mas NÃO nos renderemos, NÃO mudaremos de caminho, NÃO nos venderemos. Sempre estaremos revisando com olhar crítico nossa luta, seus tempos e modos.

Sempre estarão nosso olhar, nosso ouvido, nossa cabeça e nosso coração, dispostos a aprender de outros que, embora diferentes em muitas coisas, têm nossas mesmas preocupações e semelhantes anseios por democracia, liberdade e justiça.

E sempre buscaremos o melhor para nossos povos e para as comunidades irmãs.

Somos, pois, zapatistas.

Enquanto houver ao menos um, uma, umoa zapatista em qualquer canto do planeta, resistiremos em rebeldia, ou seja, lutaremos.

Que vejam aí amigos e inimigos. E os que não são nem uma coisa nem outra.

Só isso por enquanto.

Das montanhas do Sudeste Mexicano.

Subcomandante Insurgente Moisés.

México, novembro de 2023.

Mais de 500, 40, 30, 20, 10 anos depois.

P. S. – Aqui deixo um desenho para ver se se entende um pouco.